Opinião
- 08 de dezembro de 2017
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Por que os cristãos têm reações tão diferentes ao sionismo e a Israel?
Por Colin Chapman
Estima-se que algo entre 30 e 70 milhões de cristãos nos Estados Unidos são firmes defensores de Israel – não apenas por causa de sua visão política, mas pelo modo como interpretam a Bíblia. Também é estimado que mais de 50% dos cristãos evangélicos em todo o mundo, muito embora tenham ampla diversidade de visões políticas, baseiam seu apoio a Israel na interpretação da Bíblia . Todos esses cristãos podem ser descritos como “cristãos sionistas”, uma vez que apoio deles ao sionismo está baseado em certas convicções cristãs.
Outros cristãos são muito mais críticos do movimento sionista e ao modo como Israel tem se desenvolvido, e suas reações baseiam-se não apenas no seu entendimento da história e da política, mas também numa maneira diferente de ler a Bíblia. Por que, afinal, há tais diferenças significativas na maneira como cristãos interpretam a Bíblia? Falando de modo geral, parece que há três possíveis pontos de partida diferentes:
Restauracionismo e dispensacionalismo
“A criação de Israel deve ser vista como o cumprimento das promessas e profecias bíblicas.”
“Restauracionismo” é o nome dado à abordagem que começou a se popularizar entre os puritanos no século 17 e que enfatizava a convicção de que, ainda que as profecias do Antigo Testamento sobre um retorno ou uma restauração dos judeus à terra tenham se cumprido no século 6º antes de Cristo, elas se cumpririam novamente, um dia, num retorno à Palestina dos judeus vindos de todas as partes do mundo. Visões desse tipo ainda são populares entre muitas igrejas cristãs até o presente momento.
“Dispensacionalismo” é o nome dado a um sistema de interpretação que se baseia nos fundamentos do restauracionismo e foi desenvolvido por John Nelson Darby na Grã-Bretanha na década de 1840. Esse sistema divide toda a história numa série de sete períodos distintos, ou “dispensações”, nos quais Deus se relaciona com a humanidade de diferentes maneiras. Esse esquema vê o retorno dos judeus à terra desde 1880 como um sinal de que estamos nos aproximando da segunda vinda de Cristo ao mundo, quando ele inaugurará “o milênio”, um período literal de mil anos durante o qual governará o mundo a partir de Jerusalém.
Ainda que muitos restauracionistas não aceitem todo o sistema do dispensacionalismo, as duas visões compartilham o mesmo ponto de partida, que pode ser resumido do seguinte modo:
Embora Jesus como o Messias seja o cumprimento de todas as promessas e profecias do Antigo Testamento, as promessas e profecias sobre a terra e sobre o Israel bíblico permanecem as mesmas mesmo depois da sua vinda, e precisam ser interpretadas literalmente. Portanto, por causa da promessa a Abraão o povo judeu tem um direito divino especial à terra por todos os tempos. E, mesmo que as profecias sobre um retorno à terra tenham se cumprido de um modo limitado no retorno do exílio da Babilônia, em 539 antes de Cristo, elas estão se cumprindo mais uma vez, na história recente, no retorno dos judeus à terra desde 1880, no estabelecimento do Estado de Israel em 1948 e na tomada de Jerusalém Oriental em 1967. Esses acontecimentos são sinais que indicam a segunda vinda.
>>> De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina <<<
Ghada Karmi, uma acadêmica palestina britânica, relata esta história para ilustrar o modo como as premissas de muitas pessoas comuns num contexto cristão ocidental têm se formado a partir de visões desse tipo:
Como jovem ativista pela causa palestina, eu me lembro de tentar fazer lobby, na Câmara dos Comuns, com Tony Benn, famoso político britânico da ala esquerda, quando era um influente Ministro do Trabalho na década de 1970. Com o que hoje percebo ter sido uma declaração significativa, ele reagiu ao meu apelo para uma melhor compreensão do ponto de vista palestino, dizendo: “Mostre-me como sua causa pode vencer meu condicionamento da infância na escola dominical sobre Israel e os antigos judeus, e eu a ajudarei. Até então, você não tem chance”.33
Quando convicções como essas, desenvolvidas e popularizadas durante muitos séculos, foram combinadas com uma consciência do sofrimento do povo judeu durante o Holocausto, inevitavelmente elas incentivaram muitos cristãos a apoiarem a criação do Estado de Israel em 1948. Nas palavras de Arno Mayer, “dificilmente pode-se enfatizar o suficiente: por causa do complexo de culpa e de horror quanto ao genocídio judeu, muitos dos cristãos do mundo foram favoráveis a um Estado judeu”.34
Teologia da aliança
“A criação de Israel não deve ser vista como um cumprimento de profecias e promessas bíblicas; há outros modos de usar a Bíblia para entender a história.”
Esta visão é geralmente descrita como “teologia da aliança”, por causa da sua ênfase na ideia de uma aliança que fundamenta tanto o Antigo quanto o Novo Testamento. Ela difere tanto do restauracionismo como do dispensacionalismo pelo modo como procura interpretar o Antigo Testamento através dos olhos de Jesus e dos autores do Novo Testamento. Pode ser resumida do seguinte modo:
As promessas feitas a Abraão e todas as profecias no Antigo Testamento têm de ser interpretadas à luz da vinda do reino de Deus em Jesus. Portanto, o Antigo Testamento deve ser lido pelos cristãos através das lentes do Novo Testamento. Uma vez que as promessas e profecias do Antigo Testamento (incluindo aquelas sobre a terra e sobre o Israel bíblico) cumpriram-se na vinda do reino em Jesus, o retorno dos judeus à terra e o estabelecimento do Estado de Israel ocorreram sob a soberania de Deus, mas sem significado teológico especial. Esses acontecimentos não devem ser vistos como sinais apontando na direção da segunda vinda. Todos os que creem em Jesus herdam todas as promessas feitas a Abraão. Eles são “geração eleita, sacerdócio real, nação santa” (1Pe 2.9; Gl 3.26-29) e desfrutam de sua herança espiritual que está “guardada nos céus” (1Pe 1.4; Hb 4; 12.18-24).
Alguns que partem dessa posição mantêm convicções que têm sido descritas como “teologia da substituição” ou “supersessionismo”. Esses termos enfatizam a mesma ideia básica de que a igreja cristã substituiu, tomou o lugar do ou suplantou o povo judeu na economia de Deus. Uma vez que a maioria dos judeus não reconheceu Jesus como o Messias, o povo judeu não deveria mais ser considerado o povo escolhido. São os seguidores de Jesus, o Messias, vindos de todas as raças, que se tornam parte do povo de Deus. Visões desse tipo têm sido comuns entre cristãos desde os primeiros séculos, mas são fortemente rejeitadas por muitos dos que defendem a teologia da aliança. (Veja adiante Seção 7.2.)
“Devemos ficar longe do debate a respeito do cumprimento de promessas e profecias bíblicas e observar os princípios gerais sobre justiça e paz ensinados na Bíblia.”
Muitos cristãos não estão familiarizados com o tipo de debates que persistem dentro das igrejas evangélicas. Instintivamente, eles reagem contra o restauracionismo e o dispensacionalismo, e têm pouco interesse na teologia da aliança porque sentem que ela estrutura o debate de modo estreito demais como uma reação ao restauracionismo e ao dispensacionalismo. Assim, esses cristãos preferem enfatizar outros temas gerais da Bíblia – como justiça, igualdade, o amor inclusivo de Deus por todos os seres humanos, pacificação e reconciliação.
Nota: Trecho extraído do livro De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina, de Colin Chapman.
Leia mais
Árabes, Israel e os prejuízos do dispensacionalismo cristão
Israel e Palestina: eis a questão
Cristãos e muçulmanos: uma longa história de conflitos
O sionismo cristão evangélico, a igreja palestina e a comunicação do amor de Cristo aos muçulmanos
Imagem: CCO/Pixabay.
Estima-se que algo entre 30 e 70 milhões de cristãos nos Estados Unidos são firmes defensores de Israel – não apenas por causa de sua visão política, mas pelo modo como interpretam a Bíblia. Também é estimado que mais de 50% dos cristãos evangélicos em todo o mundo, muito embora tenham ampla diversidade de visões políticas, baseiam seu apoio a Israel na interpretação da Bíblia . Todos esses cristãos podem ser descritos como “cristãos sionistas”, uma vez que apoio deles ao sionismo está baseado em certas convicções cristãs.
Outros cristãos são muito mais críticos do movimento sionista e ao modo como Israel tem se desenvolvido, e suas reações baseiam-se não apenas no seu entendimento da história e da política, mas também numa maneira diferente de ler a Bíblia. Por que, afinal, há tais diferenças significativas na maneira como cristãos interpretam a Bíblia? Falando de modo geral, parece que há três possíveis pontos de partida diferentes:
Restauracionismo e dispensacionalismo
“A criação de Israel deve ser vista como o cumprimento das promessas e profecias bíblicas.”
“Restauracionismo” é o nome dado à abordagem que começou a se popularizar entre os puritanos no século 17 e que enfatizava a convicção de que, ainda que as profecias do Antigo Testamento sobre um retorno ou uma restauração dos judeus à terra tenham se cumprido no século 6º antes de Cristo, elas se cumpririam novamente, um dia, num retorno à Palestina dos judeus vindos de todas as partes do mundo. Visões desse tipo ainda são populares entre muitas igrejas cristãs até o presente momento.
“Dispensacionalismo” é o nome dado a um sistema de interpretação que se baseia nos fundamentos do restauracionismo e foi desenvolvido por John Nelson Darby na Grã-Bretanha na década de 1840. Esse sistema divide toda a história numa série de sete períodos distintos, ou “dispensações”, nos quais Deus se relaciona com a humanidade de diferentes maneiras. Esse esquema vê o retorno dos judeus à terra desde 1880 como um sinal de que estamos nos aproximando da segunda vinda de Cristo ao mundo, quando ele inaugurará “o milênio”, um período literal de mil anos durante o qual governará o mundo a partir de Jerusalém.
Ainda que muitos restauracionistas não aceitem todo o sistema do dispensacionalismo, as duas visões compartilham o mesmo ponto de partida, que pode ser resumido do seguinte modo:
Embora Jesus como o Messias seja o cumprimento de todas as promessas e profecias do Antigo Testamento, as promessas e profecias sobre a terra e sobre o Israel bíblico permanecem as mesmas mesmo depois da sua vinda, e precisam ser interpretadas literalmente. Portanto, por causa da promessa a Abraão o povo judeu tem um direito divino especial à terra por todos os tempos. E, mesmo que as profecias sobre um retorno à terra tenham se cumprido de um modo limitado no retorno do exílio da Babilônia, em 539 antes de Cristo, elas estão se cumprindo mais uma vez, na história recente, no retorno dos judeus à terra desde 1880, no estabelecimento do Estado de Israel em 1948 e na tomada de Jerusalém Oriental em 1967. Esses acontecimentos são sinais que indicam a segunda vinda.
>>> De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina <<<
Ghada Karmi, uma acadêmica palestina britânica, relata esta história para ilustrar o modo como as premissas de muitas pessoas comuns num contexto cristão ocidental têm se formado a partir de visões desse tipo:
Como jovem ativista pela causa palestina, eu me lembro de tentar fazer lobby, na Câmara dos Comuns, com Tony Benn, famoso político britânico da ala esquerda, quando era um influente Ministro do Trabalho na década de 1970. Com o que hoje percebo ter sido uma declaração significativa, ele reagiu ao meu apelo para uma melhor compreensão do ponto de vista palestino, dizendo: “Mostre-me como sua causa pode vencer meu condicionamento da infância na escola dominical sobre Israel e os antigos judeus, e eu a ajudarei. Até então, você não tem chance”.33
Quando convicções como essas, desenvolvidas e popularizadas durante muitos séculos, foram combinadas com uma consciência do sofrimento do povo judeu durante o Holocausto, inevitavelmente elas incentivaram muitos cristãos a apoiarem a criação do Estado de Israel em 1948. Nas palavras de Arno Mayer, “dificilmente pode-se enfatizar o suficiente: por causa do complexo de culpa e de horror quanto ao genocídio judeu, muitos dos cristãos do mundo foram favoráveis a um Estado judeu”.34
Teologia da aliança
“A criação de Israel não deve ser vista como um cumprimento de profecias e promessas bíblicas; há outros modos de usar a Bíblia para entender a história.”
Esta visão é geralmente descrita como “teologia da aliança”, por causa da sua ênfase na ideia de uma aliança que fundamenta tanto o Antigo quanto o Novo Testamento. Ela difere tanto do restauracionismo como do dispensacionalismo pelo modo como procura interpretar o Antigo Testamento através dos olhos de Jesus e dos autores do Novo Testamento. Pode ser resumida do seguinte modo:
As promessas feitas a Abraão e todas as profecias no Antigo Testamento têm de ser interpretadas à luz da vinda do reino de Deus em Jesus. Portanto, o Antigo Testamento deve ser lido pelos cristãos através das lentes do Novo Testamento. Uma vez que as promessas e profecias do Antigo Testamento (incluindo aquelas sobre a terra e sobre o Israel bíblico) cumpriram-se na vinda do reino em Jesus, o retorno dos judeus à terra e o estabelecimento do Estado de Israel ocorreram sob a soberania de Deus, mas sem significado teológico especial. Esses acontecimentos não devem ser vistos como sinais apontando na direção da segunda vinda. Todos os que creem em Jesus herdam todas as promessas feitas a Abraão. Eles são “geração eleita, sacerdócio real, nação santa” (1Pe 2.9; Gl 3.26-29) e desfrutam de sua herança espiritual que está “guardada nos céus” (1Pe 1.4; Hb 4; 12.18-24).
Alguns que partem dessa posição mantêm convicções que têm sido descritas como “teologia da substituição” ou “supersessionismo”. Esses termos enfatizam a mesma ideia básica de que a igreja cristã substituiu, tomou o lugar do ou suplantou o povo judeu na economia de Deus. Uma vez que a maioria dos judeus não reconheceu Jesus como o Messias, o povo judeu não deveria mais ser considerado o povo escolhido. São os seguidores de Jesus, o Messias, vindos de todas as raças, que se tornam parte do povo de Deus. Visões desse tipo têm sido comuns entre cristãos desde os primeiros séculos, mas são fortemente rejeitadas por muitos dos que defendem a teologia da aliança. (Veja adiante Seção 7.2.)
“Devemos ficar longe do debate a respeito do cumprimento de promessas e profecias bíblicas e observar os princípios gerais sobre justiça e paz ensinados na Bíblia.”
Muitos cristãos não estão familiarizados com o tipo de debates que persistem dentro das igrejas evangélicas. Instintivamente, eles reagem contra o restauracionismo e o dispensacionalismo, e têm pouco interesse na teologia da aliança porque sentem que ela estrutura o debate de modo estreito demais como uma reação ao restauracionismo e ao dispensacionalismo. Assim, esses cristãos preferem enfatizar outros temas gerais da Bíblia – como justiça, igualdade, o amor inclusivo de Deus por todos os seres humanos, pacificação e reconciliação.
Nota: Trecho extraído do livro De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina, de Colin Chapman.
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Israel e Palestina: eis a questão
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